quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Crianças perdem a infância para o crime

Por Claudemir Schmitz

Anderson começou a usar drogas com apenas 7 anos de idade. Hoje com 16 anos já perdeu as contas de quantas vezes foi preso. Sérgio cometeu um assassinato aos 15 anos de idade. O motivo: acerto de drogas. Tiago, de 16 anos, já cometeu inúmeros assaltos para manter o vício das drogas.

Anderson, Sérgio e Tiago fazem parte de uma geração que cada vez mais assusta o país. Ainda crianças entram para o mundo das drogas, na adolescência iniciam no tráfico. Se não recuperados nessa fase, tornam-se adultos que praticam atos que aterrorizam a sociedade.

No Brasil, em dez anos, o contingente de menores que ingressaram em centros de reabilitação e internatos cresceu quase 400%. São cerca de 60 mil adolescentes que cometeram algum tipo de infração.

A primeira droga que Anderson usou foi a maconha, em seguida a cocaína e com 12 anos tornou-se dependente de crack. “Quando eu vi não consegui mais parar, e logo em seguida entrei no trafico”, relembra o menino. “A droga é mais forte que o cara”, lamenta Anderson.

Hoje cumprindo a medida de semi-liberdade, o adolescente tenta largar o vício e recuperar o tempo perdido. “Briguei com a minha mãe e meus irmãos e agora estou tentando recuperar tudo de novo”, afirma Anderson, que espera ansioso pela visita da mãe.

Sérgio começou a usar drogas com 14 anos, hoje com 16, já utilizou vários tipos de tóxicos. “Maconha, crack, cocaína, injetei na veia, tudo isso eu já fiz”, relata o adolescente. A mãe dele tinha conhecimento de que ele era dependente químico. “A minha mãe falava que a minha cabeça era a minha sentença”, lembra Sérgio. “Eu nunca escondi dela que eu usava drogas. Era melhor ela saber pela minha boca do que pela boca dos outros. Algumas vezes eu fumava maconha sentado no sofá sala”, afirma o adolescente.

Tiago, de 16 anos, antes de ser preso, fumava 10 pedras de crack por dia. O garoto lembra que as más companhias fizeram com que ele entrasse no mundo das drogas. “Os amigos chegam no ouvido do cara convidam para fazer, e com o tempo eles botam aquilo na tua cabeça, quando tu vê já está no meio”, diz Tiago.

Os adolescentes não usam meias palavras quando o assunto é o acesso às drogas, eles afirmam que é muito fácil obter o produto. “Quem é usuário consegue sem grandes dificuldades”, conta Tiago. “Simplesmente é muito tranqüilo conseguir, é mais fácil conseguir a droga do que a libertação da droga”, considera Sérgio.

Como conseguir o dinheiro

Para manter o vício das drogas, os adolescentes começam a cometer uma série de delitos, como assaltos, furtos e roubos. “Estava caminhando pela calçada e observava uma mulher, daí eu me aproximei dela, coloquei a faca no pescoço e puxei a bolsa dela, ainda sem querer cortei os dedos e um pouco do pescoço”, lembra Tiago do primeiro assalto que praticou, quando tinha apenas 13 anos. “Já fiz vários assaltos, era lanchonete, mercado, carro, moto e pessoas que andavam pelas ruas”, conta Sérgio.

Anderson fazia rifas falsas para arranjar o dinheiro. “Saáa pelas ruas vendendo o bilhete, tinha vez que eu conseguia fazer até mil reais”, relata o garoto. Para conseguir êxito na venda, o adolescente tinha um discurso bem apelativo. “Eu falava para as pessoas que era para ajudar a família, e que eu meus irmãos estavá-mos passando fome”, revela Anderson. O jovem também ia nas casas oferecer se as pessoas queriam engraxar o sapato, e enquanto elas pegavam os calçados, Anderson entrava e pegava algum objeto da residência e fugia. “Roubei muito dvd desse jeito. No entanto tinha que ser bastante ágil”, conta o adolescente.

Para o Promotor de Justiça da Vara da Infância e do Adolescente de Araranguá, Leonardo Todeschini, a droga desencadeia uma série de problemas na vida dos jovens. “Hoje a droga é uma questão que na maioria das vezes, está condicionada ao adolescente infrator”, relata o promotor.

Assasinato

Geralmente a primeira infração cometida por um adolescente é o furto ou roubo, mas, segundo especialistas, a sensação de impunidade e as falhas no processo de recuperação desses jovens levam a infrações mais graves, como o assassinato.

Sérgio cometeu um homicídio quando tinha apenas 15. Desentendimentos por causa da droga fizeram com que o jovem cometesse o crime. “Eu tinha escondido meio quilo de crack e meio quilo de maconha, e ele estava olhando onde eu escondi, e daí ele foi lá e roubou, depois eu armei uma tocaia para ele em cima do morro e matei”, afirma o adolescente, que depois ainda foi ao velório da vítima.

Familiares envolvidos

A maioria dos jovens infratores tem algum familiar envolvido com as drogas, tráfico, ou está preso. “Meu pai é um perdido na droga, e tenho sete primos que são traficantes”, relata Sérgio. “O meu pai está preso”, conta Anderson.

Para a psicóloga da casa de semi-liberdade, de Araranguá, Débora Pereia, esse meio da violência e da criminalidade em que os jovens vivem é um fator determinante para que eles entrem no mundo do crime. “Eles nascem num local onde o vizinho da frente é traficante, a vizinha do lado é prostituta, quando não é a própria mãe”, aponta a psicóloga. “O trafico, roubo, a droga e a criminalidade fazem parte do dia-a-dia deles”, acrescenta.

Fugas

As fugas e as idas e vindas aos Centros de Internação Provisória (CIP) e casas de semi-liberdade marcam o currículo de Sérgio, Anderson e Tiago. “Fiquei oito meses foragido”, afirma Sérgio, que nesse tempo morava na casa de amigos e parentes. Já Tiago ficou um ano e três meses. “Durante esse tempo eu morava em casa e quando a polícia aparecia eu fugia”, revela o garoto. Anderson teve 13 fugas. “Quando estava foragido dormia na rodoviária, no mato ou na casa de amigos, muitos dias passei fome”, lembra o jovem.

Armas

Os adolescentes contam que no mundo em que eles viviam a arma é um objeto fundamental. “Eu tinha armas, mas era para a minha proteção, porque eu tinha guerra”, revela Sérgio. “Eu tive um oitão e uma vinte. Comprei elas, pois no mundo em que eu estava eu precisava”, afirma Tiago. Anderson adquiriu armas para praticar assaltos. “Tive uma 32, 38 e 28 (calibre)”, conta o adolescente.

Dificuldades da recuperação

A coordenadora da casa de semi-liberdade, Josiane de Souza, relata que a recuperação de um jovem infrator requer muito trabalho. “O comportamento deles foi construído ao longo da vida, eles nasceram em um meio e a gente quer inserir eles em outro”, avalia a coordenadora. “É um trabalho difícil, e se de cada dez conseguirmos recuperar um já tivemos um grande resultado”, acrescenta Josiane. A psicóloga, da casa, Débora Pereira, analisa que a exclusão da sociedade também dificulta a ressocialização dos adolescentes. “Quando um jovem está quase saindo daqui, procuramos um emprego para ele, e quando damos a referência do adolescente as portas se fecham”, explica a psicóloga.

Solução

Para o promotor Leonardo Todeschini, o investimento na educação seria importante para a recuperação desses adolescentes. “O incremento da educação tanto para os pais quanto para essas crianças, a ocupação educacional de todas as crianças do país, com certeza reduziria e muito o comportamento inadequado dessas crianças”, analisa. Todeschini avalia que a redução penal não seria a melhor saída para a diminuição dos casos de menores infratores. “Uma atitude dessa você só iria mudar o foco, trocando uma iniciativa educacional e social por uma iniciativa de exclusão que é a inclusão dessas pessoas no sistema penitenciário”, relata o promotor.

Planos para o futuro

Tiago tem incerteza quanto ao seu futuro. “Ainda não sei o que eu vou fazer”, diz o garoto. Já Sérgio e Anderson fazem planos para o futuro. “Quando sair daqui quero estudar”, conta Sérgio. Já Anderson quer parar com a vida do tráfico e do assalto. “Vou procurar um serviço decente, e ajudar a minha mãe”, diz o adolescente. Os jovens também se arrependem do que fizeram. “Todo mundo tem”, diz Anderson. “O mundo das drogas é muito cruel, se você tem alguma dívida de droga com alguém, pode ser cinco reais, eles te matam”.


(*Os nomes dos adolescentes apresentados nessa reportagem são fictícios).

1 comentários:

Anônimo disse...

triste realidade..muitos pontos a serem discutidos por nós jovens para futuramente políticas públicas poderem contribuir para a melhora!!!